Estudar os ciclos biogeoquímicos é aprender a escutar a Terra em movimento. É entender que os rios não começam só na água. Antes disso, passaram pelo solo, pela floresta, pela respiração dos seres vivos, pela decomposição de tudo que já foi. Cada molécula carrega uma história de transformação. É carbono que já foi folha. É nitrogênio que já foi raiz. É fósforo que um dia fez parte de um osso ou de uma alga. É enxofre que saiu de uma rocha e agora viaja na água da chuva.
No manejo de bacias hidrográficas, entender esses ciclos é essencial. Porque eles conectam o que parece distante. Ligam o visível ao invisível. Explicam por que a água clareia ou escurece. Por que os peixes morrem. Por que a chuva some. O equilíbrio dos ciclos do carbono, do nitrogênio, do fósforo e do enxofre sustenta a saúde de uma bacia. E basta um deles sair do compasso para que tudo desande.
Em aula, revisamos quatro ciclos fundamentais para compreender a dinâmica da vida em uma bacia: carbono, nitrogênio, fósforo e enxofre. Cada um atua em fluxos que cruzam atmosfera, solo, água e organismos. Aprendemos como o carbono é fixado pela fotossíntese e liberado pela respiração. Como o nitrogênio depende de bactérias e raios para virar nutriente. Como o fósforo corre devagar, misturado ao solo e aos sedimentos. E como o enxofre atua discretamente, interferindo na acidez das águas e na formação de proteínas.
Na Amazônia, os sinais de desequilíbrio já são visíveis. O ar seco substitui a umidade. Os peixes morrem por falta de oxigênio. Os igarapés escurecem. A floresta arde. Os solos se empobrecem. São sintomas de ciclos rompidos. E ainda nem entramos a fundo no estudo do ciclo da água, que será tema de próximas aulas. Mas já sabemos: sem floresta viva e solo saudável, nem a chuva permanece.
Ciclo do Carbono

O carbono corre da atmosfera para a vida, volta ao ar, afunda no solo, dissolve-se nos rios. Há milhões de anos, o planeta tinha muito mais CO₂ na atmosfera do que temos hoje. Parte disso virou floresta, virou vida. Parte ficou presa como matéria orgânica soterrada, transformada em petróleo ao longo de eras. O equilíbrio era outro. Hoje, ao queimar combustíveis fósseis, estamos devolvendo esse carbono antigo à atmosfera num ritmo que o planeta não consegue absorver. Nas bacias hidrográficas, o carbono está por toda parte. É fixado pelas plantas na fotossíntese. É liberado por respiração, decomposição e queimadas. Está nos compostos orgânicos dissolvidos na água, influencia o pH e interfere diretamente na saúde dos ecossistemas aquáticos. Compreender esse ciclo é fundamental para medir o impacto do desmatamento, da queima de biomassa e da presença ou ausência de vegetação ciliar.
Desequilíbrio no ciclo do carbono:
O desequilíbrio começa quando bombeamos esse carbono enterrado e o devolvemos à atmosfera em poucas décadas. Nos ecossistemas aquáticos o carbono controla o pH, participa da fotossíntese das algas e da respiração de peixes, insetos e bactérias. No manejo de bacias hidrográficas, seguir o carbono é essencial. Ele revela o papel da mata ciliar que captura CO₂, mostra quanto gás se solta nas queimadas, indica o efeito do desmatamento na temperatura da água. Pergunta que não quer calar: se continuarmos somando carbono antigo ao ciclo rápido, que futuro sobra para os rios, para as chuvas, para nós?
Ciclo do Nitrogênio

O nitrogênio é base da vida. Está nos aminoácidos, nas proteínas, nos ácidos nucleicos. Ou seja, sem ele não há célula, não há folha, não há gente. É essencial para o crescimento das plantas e para todos os seres vivos. Mas, apesar de estar em abundância no ar (cerca de 78% da atmosfera), esse nitrogênio gasoso (N₂) não é absorvido diretamente pelas plantas. Ele precisa ser transformado em formas solúveis, como nitrato (NO₃⁻), nitrito (NO₂⁻) ou amônio (NH₄⁺). Aí sim, entra no ciclo da vida. Esse ciclo começa de duas formas: pelos relâmpagos e pelas bactérias. Quando há uma tempestade de verão, a energia dos raios transforma o nitrogênio atmosférico em óxidos que reagem com o vapor d’água e se transformam em nitritos e nitratos. Chuva com raio deixa a planta verde de alegria. Já no solo, são os microrganismos que fazem o trabalho. Algumas bactérias vivem associadas às raízes de plantas como feijões, trevos e outras leguminosas. São elas que fixam o nitrogênio do ar e transformam em sais orgânicos assimiláveis pelas plantas. Esse processo continua com a nitrificação, que acontece em duas etapas: primeiro a nitrosação (amônia virando nitrito), depois a nitratação (nitrito virando nitrato). É o momento em que o nitrogênio se torna disponível para ser assimilado pelas raízes e entrar na base da cadeia alimentar. Da planta para o animal, do animal para o solo, da decomposição de volta à matéria orgânica. Tudo isso é ciclagem. No fim, vem a desnitrificação. É o retorno do nitrogênio para a atmosfera. Algumas bactérias, em ambientes pobres em oxigênio, transformam o nitrato novamente em N₂, completando o ciclo. Em sistemas agroflorestais e cultivos biodiversos, esse ciclo é respeitado. Leguminosas como feijão-de-porco, feijão-guandu e mucuna ajudam a enriquecer o solo com nitrogênio, produzem biomassa e melhoram a saúde da terra como um todo. Um manejo inteligente do ciclo.
Desequilíbrio no ciclo do nitrogênio:
Mas quando entra o excesso, o ciclo se desequilibra. O uso intensivo de fertilizantes nitrogenados (como ureia e NPK) no agronegócio sobrecarrega o solo. A parte que não é absorvida escorre com a chuva, cai nos rios, e causa eutrofização. As algas se multiplicam, o oxigênio desaparece e os peixes morrem. Além disso, o excesso de nitrogênio no solo também pode liberar óxidos de nitrogênio (como o N₂O), um gás de efeito estufa muito mais potente que o CO₂. Nas bacias hidrográficas, compreender o ciclo do nitrogênio é essencial para monitorar a qualidade da água, prevenir poluição difusa e repensar o modelo de produção. É um ciclo sensível, onde o excesso é tão perigoso quanto a escassez. E quem mexe com ele precisa saber o que está fazendo.
Ciclo do Fósforo

O fósforo é um nutriente essencial à vida. Mas costuma ser o primo esquecido nas aulas de ciências. Diferente do carbono e do nitrogênio, ele não circula pela atmosfera em grande escala. Seu caminho acontece pelo solo, pelas rochas, pelas águas e pelos corpos vivos. Está presente no DNA, no RNA, no ATP, nas membranas celulares (fosfolipídios), nos ossos e nos dentes (na forma de fosfato de cálcio). Também está nos sedimentos e no húmus formado pela decomposição da matéria orgânica. As plantas o absorvem do solo e ele retorna ao ambiente quando organismos morrem ou eliminam resíduos. É um ciclo sedimentar, lento, mas essencial. No manejo de bacias hidrográficas, entender o ciclo do fósforo ajuda a interpretar a fertilidade do solo, a produtividade das plantas e o comportamento dos sedimentos nos rios. No Oeste do Pará, por exemplo, o uso intensivo de fertilizantes químicos em áreas de monocultura, como soja e milho, tem lançado grandes quantidades de fósforo nos igarapés e rios da região. O que não é absorvido escorre com a chuva e vai parar nos corpos d’água. Isso altera o equilíbrio ecológico de forma silenciosa, mas profunda.
Desequilíbrio no ciclo do fósforo:
Quando há excesso de fósforo (vindo de fertilizantes como o NPK ou do esgoto doméstico sem tratamento) o sistema entra em colapso. As microalgas são as primeiras a reagir. Se multiplicam rápido, formando uma camada espessa e esverdeada na superfície da água. As bactérias que se alimentam dessa biomassa também se multiplicam, consumindo o oxigênio dissolvido. Os peixes morrem. A água escurece. Formam-se zonas mortas. O nome disso é eutrofização. Isso já acontece em rios amazônicos próximos às áreas de expansão agrícola, como no entorno de Belterra, Mojuí dos Campos e em partes do Baixo Tapajós. O fósforo, quando em desequilíbrio, transforma a abundância em crise.
Um caso recente mostra isso claramente: no rio Tietê, em Araçatuba, houve proliferação massiva de cianobactérias. Os biólogos relataram que a eutrofização foi causada pelo acúmulo de fósforo e nitrogênio vindo do esgoto urbano e da agricultura, agravado pelas altas temperaturas na região. As cianobactérias liberaram microcistina (uma toxina perigosa ao fígado humano) e os organismos aquáticos morreram. O problema já atingiu a pesca e o turismo. E os especialistas alertam: se não houver controle desses nutrientes, em 10 a 20 anos, partes do Tietê podem se tornar biologicamente mortas
Ciclo do Enxofre

O enxofre participa da formação de proteínas e vitaminas, e seu ciclo depende da interação entre rochas, água e organismos. Em ambientes aeróbicos, ele circula na forma de sulfatos. Em ambientes anaeróbicos, como sedimentos de rios poluídos, se transforma em compostos tóxicos como o gás sulfídrico (H₂S). No manejo de bacias, entender esse ciclo é importante para prever mudanças na acidez da água, reações com metais e impactos sobre a fauna aquática.
Desequilíbrio no ciclo do enxofre:
A decomposição de matéria orgânica em ambientes anóxicos pode gerar sulfetos tóxicos, que afetam a fauna aquática e alteram o pH da água. Isso pode mobilizar metais pesados, como ferro e fósforo, causando contaminações em cadeia.